domingo, janeiro 28, 2018

Nem só de pão vive o homem, mas também

Não aprecio particularmente pão branco. Nele, só gosto da parte menos branca, a côdea, e quanto mais morena melhor. Pélo-me por pão de outras cores: amarelo (broa de milho); o preto alemão; os vários pães de cereais franceses, e com figos e nozes. Tenho uma epifania com a broa de Avintes.
Acho sinceramente que quem gosta de pão branco tem um gene regressivo. Mas há um pão branco que me reconcilia com a cor e a espécie. Ele é a quintessência, a causa efficiens principalis de toda a panificação, o pão vivo e o maná. Com azeitonas, é outra epifania. Com marmelada ou queijo, proporciona uma experiência estética e sensorial mais perfeita e intensa do que uma sinfonia de Beethoven e é mais belo do que o coro dos cativos hebreus na Babilónia no Nabucco de Verdi. O pão acompanhando o vinho sobre a mesa da casa portuguesa de que fala a canção deve ser pão desse. Talvez o pão com que foi alimentado Elias pelos corvos e que Jesus e os seus discípulos comiam com peixe grelhado fosse um proto-pão desse. Os Antigos é que sabiam.
Comer um casqueiro alentejano deveria ser obrigatório para todos os mortais em todos os continentes e um ritual religioso a exigir mais devoção do que uma peregrinação.
Uma banal confissão, uma impressão sensorial e papilar, daquelas a que a maioria das mensagens publicadas no Facebook se reduz, gerou uma viagem. Uma viagem à degustação do pão. Gosto de pão, embora nem todos os tipos de pão colham as minhas preferências. E é verdade: o texto acima transcrito dever ser lido autobiográfica, embora não psicologicamente. Restrinjam-se, pois, as abordagens a uma hermenêutica que não deve passar de gustativa: gosto de pão e sou comedor de pão. Ponto.
Apresentem-me um pão acabado de sair do forno, estaladiço, do dia. Num restaurante, as esperas pela refeição são distraídas com pão, acompanhado das inevitáveis azeitonas, manteiga, paté ou queijo.
Tenho a certeza de que muitos — senão a maioria — dos leitores me entenderão. Entre tantas variedades de bases, acréscimos, cores, formas e — sobretudo — aromas, estou certo de que há sempre um tipo de pão preferido de cada um.
O pão pão, e o pão que provém das palavras. Neste gosto de textos viajaremos ao mundo do pão. Não tanto do pão que se come — sobre esse, quanto melhor é comê-lo do que falar dele; e enquanto se come não se fala. O pão como ícone, metonímia, como signo linguístico, cultural, literário e civilizacional. Viajaremos por civilizações, culturas, o pão de provérbios e ditados populares, o pão constante desde a Antiguidade até hoje. Asmo ou fermentado, o pão será sempre o pão. E na nossa casa há pão.
No acesso aos textos antigos, os a Bíblia, dos Clássicos gregos e latinos e de outras origens, procederei como se quer de um filólogo, fornecendo os textos nas línguas originais e traduções de minha lavra. Nos casos, porém, da existência de traduções em português, é destas traduções que citarei. Apresentar trabalho próprio, quando há trabalho alheio de reconhecida qualidade e por mãos competentes, não só seria, por assim dizer, um delito de lesa filologia como desonra científica a quem referência e honra merece. E este livro reclama-se de um duplo carácter, científico e de divulgação.
Venha o pão e vinho.

Publicado primeiramente no Jornal Tornado

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