sexta-feira, agosto 25, 2006

As entranhas em brasa 1: a caminho de Emaús



Certo dia, após a ressurreição, Jesus apareceu a dois homens que faziam a pé o caminho para Emaús. Eram seus discípulos. Juntou-se-lhes na sua caminhada, talvez na expectativa de que o reconhecessem e de sondar se ainda O lembrariam, se falariam d’Ele, se sentiriam saudades d’Ele. Talvez para saber se esperavam a Sua ressurreição, de que Ele tanto falara como sequência do mero trânsito da Sua morte, ou se se teriam rendido a esta como o desfecho irremissível de bons e três anos e meio de grandes e tremendos feitos e maiores esperanças. Sobretudo, para lhes dar a boa notícia de que Ele estava vivo.
Esse homens tinham igual perspectiva à dos demais homens e mulheres que haviam seguido o Mestre: a morte de Jesus, que criam ser o Messias, fora prematura e deitara por terra todas as esperanças. Havia, porém, ainda uma saudade, e por isso conversavam ainda sobre o assunto. Recordariam com saudade os bons momentos passados juntos. Com dor e ódio aos opressores do Sinédrio e de Roma, os maus. Reviveriam o julgamento, a flagelação, o caminho do Gólgota e a crucificação. Os acontecimentos eram recentes, e por isso as emoções neles sentidas eram ainda frescas, em efeito de ressaca.
E Jesus mudou-lhes a perspectiva: a morte de que falavam não fora o fim, e que esse Ungido que choravam ressuscitara, e que tal fora anteriormente predito nas Escrituras, vez após vez. O sujeito desses acontecimentos dirigia-se-lhes como se fosse um viajante que apenas por rumor oral ouvira falar neles. Completamente alheio e distante relativamente a eles, mas mostrando tê-los entendido melhor, bem como as profecias que os antecipavam, do que os seus próprios espectadores. Mas não reconheceram quem lhes falava. Talvez pensassem que era um rabino sábio e santo. Mas não o reconheceram. A não ser pela forma como ele partiu o pão, quando se sentaram à mesa para comer e descansar da viagem. Não pelas Suas palavras, mas por um gesto. Jesus sai das duas vistas. Tudo indicava quem fosse Ele! Só Ele falava assim dos Textos Sagrados e da missão do Messias, e conseguia fazê-lo de forma tal que era impossível alguém ficar indiferente e não se sentir provocado. E, com efeito, foram de tal modo provocados pela explicação que aquele companheiro de viagem lhes fez das Escrituras que o seu coração ardia!

(continua)

terça-feira, agosto 22, 2006

As entranhas em brasa 2: do micro-ondas ou fresco?

Um dia, lia este passo do Evangelho de Lucas (Luc 24:13-35) e detive-me a meditar no comentário desses dois homens: enquanto ouviam Jesus, mesmo não o tendo reconhecido no momento, o coração ardia-se-lhe no peito. Um misto de provocação, estímulo, entusiasmo, motivação, nova excitação emocional e intelectual provocada por algo que lhes era caro. Essa mensagem que introduzira vida nas suas almas era de novo ouvida, e causava o mesmo impacto. O coração e a alma desses homens estava pois ainda disponível, como músculo em carne viva, para serem percutidos pelo martelo da Palavra provinda da boca de Deus.
Apliquei essa meditação à minha própria vida. Sim, o meu coração deve arder ao ouvir a Palavra de Deus: essa era a lição. No encontro na estrada de Emaús, os acontecimentos de Jerusalém eram recentes. Talvez isso explique a sensibilidade emocional dos discípulos. Quando, como esses dois homens, me foi comunicada a notícia da morte e ressurreição de Jesus em meu favor e me dispus a dar a esse facto a devida importância, quando busquei nela a mensagem que pudesse mudar a minha vida, também o meu coração ardia. Nos primeiros meses, um ou dois anos, o meu coração ardia. Motivava-me ouvir, ler, aprender e discutir as Escrituras. Eram a minha paixão. Mudaram a minha vida.
E com o passar do tempo? Quando os acontecimentos que constituem o âmago do Evangelho — morte e ressurreição de Jesus — ficam mais distantes temporalmente? Não só isto, mas até mais distantes do coração, da alma, das emoções, dos interesses e prioridades pessoais? Porque já lemos tantas e tantas vezes as mesmas passagens e as histórias, lhes sabemos o fim e passamos obliquamente pelos pormenores das narrativas? Porque já conhecemos de cor e salteado as declarações doutrinárias e as promessas da Palavra de Deus, consideramos adquirido, quando não perdido, o que umas dizem e as outras prometem? Quem não já experimentou comer comida aquecida no micro-ondas, em vez de fresco maná quotidiano? Eu me confesso.
No deserto do Sinai, Deus alimentou o povo com uma ração diária de maná. Guardá-lo para o dia seguinte provou-se loucura, pois apodreceu e criou vermes! Esse maná era uma prefiguração do verdadeiro pão vivo descido do céu, Jesus. E se os Israelitas deviam ingerir uma ração diária, do mesmo modo precisamos diariamente do alimento que é Jesus, a sua Palavra e a sua presença. Mas não apenas isso: a lição que aprendi foi que, se devoramos diariamente esse bom alimento como se fosse novo, a nossa fome deve também ser nova. Nova a nossa antecipação. Nova a consciência da nossa necessidade. Todos os dias. É tempo de mudar a nossa atitude íntima, a nossa disposição relativamente à presença e à Palavra de Deus. De nos voltarmos a espantar, de nos deixarmos deslumbrar, de ficarmos boquiabertos e soltar diariamente um “Aaahhh!” de admiração pela constante surpresa e maravilha que são Deus, a sua Palavra, os seus planos, as suas promessas e as suas acções. De pensar que, quando julgamos já conhecer, então é que precisamos de verdadeiramente conhecer. De ter o coração em brasa, a alma em carne viva para receber de novo o Evangelho que nos confronto e nos corrige, mas igualmente nos consola e nos salva. Ou não dependemos do seu favor, mas da nossa experiência de vida cristã ou da maturidade e conhecimento alcançados. E entramos no terreno pecaminoso da presunção.
O apóstolo percebeu isto. Por isso escreveu, aos Filipenses, que deixara de pensar que poderia possuir algum motivo de satisfação e de basear o seu crescimento como indivíduo na sua própria maturidade, conhecimento ou experiência. Provara da excelência de vida que Cristo é, e deste modo percebeu como em si mesmo era incompleto e estava ainda em contínuo processo de amadurecimento. Por isso prosseguia, tendo Cristo como referência, fonte e alvo. Todos os dias.

Dispus-me, desde então, a tornar à Palavra de Deus como se ainda estivesse no início da caminhada cristã, como quem ainda está a aprender as letras.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Cinderela dos dias de hoje, do Vítor Mota

Uma versão moderna do imortal conto, do blog do Vítor Mota. Não sei se é dele ou de outrem, mas merece um lugar numa antologia de prosa bué. Bom também para usar em aulas de português de 2º ciclo. Daaahhhh!! para quem não ler.

«Cinderela para os dias de hoje

" Há bué da time, havia uma garina cujo cota já tinha esticado o pernil e que vivia com a chunga da madrasta e as melgas das filhas dela.
A Cinderela (Cindy p'ós amigos), parecia que vivia na prisa, sem tempo p'ra sequer enviar uns mails. Com este desatino todo, só lhe apetecia dar de frosques, porque a madrasta fazia-lhe bué da cenas. É então que a Cindy fica a saber da alta desbunda que ia acontecer: Uma rave!!! A gaja curtiu tótil a ideia, mas as outras chavalas cortaram-lhe as bases. Ela ficou completamente passada, mas depois de andar à toa durante um coche, apareceu-lhe uma fada baril que lhe abichou uma farda baita bacana, ela ficou a parecer uma g'anda febra. Só que ela só se podia afiambrar da cena até ao bater das 12. Tás a ver, meu
A tipa mordeu o esquema e foi para a borga sempre a bombar.
Ao entrar na party topou um mano cheio da papel, que era bom comó milho e que também a galou logo ali. Aí a Cindy, passou-se dos carretos, desbundaram "ól naite long", até que ao ouvir as 12, ela teve de se axandrar e bazou. O mitra ficou completamente abardinado quando ela deu de frosques e foi atrás dela, mas só encontrou pelo caminho o chanato da dama. No dia seguinte, com uma alta fezada, meteu-se nos calcantes e foi à procura de um chispe que entrasse no chanato.Como era um ganda cromo, teve uma vaca descomunal e encontrou a maluca, para grande desatino das outras fatelas que ficaram a anhar."

Fim: Tá-se bem.»